quarta-feira, 13 de junho de 2007

A Sexualidade e a Paixão


Erilane Dainne Sousa Oliveira*

Entender a sexualidade é uma tarefa bastante complexa, que interliga vários aspectos (sociais, culturais, religiosos e políticos). A sexualidade interfere, diretamente em nossa conduta e em nossos sentimentos como, por exemplo, à “paixão” que por si só consegue abarcar diversas contingências do “sentir” (medo, desejo, prazer, culpa, depressão, felicidade, identidade ¹).

Viver plenamente a sexualidade, sempre foi uma tarefa muito complicada, por dimensionar muito mais do que o ato sexual (corporal) em si. Viver a sexualidade é sentir, agir e pensar de uma forma, que há tempos foi imposta, construída, e não descoberta e escolhida. É através da sexualidade que podemos expressar significações da nossa personalidade, ou seja, a maneira como enxergamos o mundo, os princípios morais e éticos que acreditamos, ou melhor, que nos fizeram acreditar. Na verdade, a formação da nossa sexualidade é fruto de uma imposição das redes de poderes da sociedade em que vivemos, e que nós por vezes aceitamos tal imposição.

É interessante observar que quando a sexualidade vira um objeto de estudo (curiosidade) no século XIX, ela veio imbuída de várias contradições em seus discursos, prevalecendo aparatos ditatoriais que tentavam regular, normatizar e naturalizar. Enfim, o objetivo maior era instaurar saberes que produzissem “verdades”, que deveriam ser seguidas. Nesse contexto, o conceito “homossexual” é criado, para da afirmação de normalidade ao sujeito “heterossexual”.

A sexologia no século XIX, com ajuda de outros saberes (psicologia, biologia e da antropologia) inseriu-se, como peça fundamental para organizar o modo de como pensamos o corpo e sua relação com a sexualidade. Vale a pena ressaltar, que muito do que se criou como regra, imposição do que pensamos sexualidade está infimamente pelo o fato de que a sexualidade ser uma “construção social”, sendo um dispositivo histórico. Ou seja, possuí múltiplos discursos, e muitos com intuito de docilizar os corpos e as mentes.

Neste ínterim, remeto mais uma vez aos “sentidos da paixão”, que por causa das regras tidas como convencionais, instaurada e vista por muitos como universal, acabou por introduzir em nosso corpo e mente, a vergonha, o medo, a culpa, a censura. Por que tanto a sexualidade como a paixão, através de um extenso “fardo discursivo histórico”, criou uma pluralidade de estratégias de disciplinamento. Enfim, uma repressão que segundo Freud, está ligada a assídua atração pela “paixão pela ignorância”. Controlar nossas paixões e a nossa sexualidade seria um “dever”, por vezes foi visto, como um bem estar social, moral, ético, religioso e até político.

Devemos ter em mente, que a produção de um sujeito é um processo plural e permanente, que de certa forma, esse sujeito participa ativamente na construção de sua identidade. Relembrando, que a escola tem um papel fundamental na criação da identidade do dito “normal”, por ela tentar equilibrar no incentivo a sexualidade “normal” e no seu controle. Em síntese, a sexualidade é uma prerrogativa da vida adulta e a ser praticada com o sexo oposto. Essa pedagogia da sexualidade na escola tem por mérito, o disciplinamento dos corpos, de forma sutil, discreta e por ser continua se torna bastante eficiente e duradoura. Deixando marcas profundas, em quem é submetido a tal educação.

A dessexualização do espaço escolar foi e é algo preponderante, até os dias de hoje. Neste ínterim, é preciso pensar a sexualidade de forma mais abrangente, rompendo fronteiras de tempo e espaço. Desconstruíndo tudo o que impede a imaginação, a curiosidade, deixando fluir o “Eros”, que habita dentro de nós. Tornando os discursos sobre sexualidade “plural”, levando em consideração a transitoriedade do espaço geográfico sexual, ou seja, a enorme gama de possibilidades de se viver e sentir a nossa sexualidade.

Ressaltando bem que a forma de como pesamos o nosso corpo é de suma importância, porque ele expressa tanto a dor como o prazer, que está intimamente ligado com a nossa maneira de agir conforme no que acreditamos ser o certo, o melhor. É através do nosso corpo, que exprimimos nosso comportamento sexual.

A partir das transformações, que ao longo dessas últimas décadas o mundo vem sofrendo, outras discussões trazidas pelos movimentos feministas, a consciência auto-afirmativa de gay e lésbicas e movimentos de raça, engajaram pessoas numa nova luta, que propõe novas formas de se relacionar com a sexualidade “alternativa”. Criando discursos que tentam mostrar o reconhecimento do “outro”, em toda sua diversidade social e sexual. Por isso é importante problematizarmos as estruturas de dominação e subordinação que a sexualidade sofre, nas contingências de gênero, classe e raça.

É importante pensar a sexualidade de forma mais ampla onde o “Eros” prevaleça. Repensar as formas que aprendemos o discurso da sexualidade é um bom caminho para aumentar nossos horizontes, que a tanto foi silenciado e reprimido.

Sempre brinco, que minha vida é movida por “paixões”. Paixão pelos momentos, pela natureza, pelas pessoas, e principalmente pelas mudanças, enfim, por tudo que me faça sentir viva e “diferente” do que é imposto. Pensar a sexualidade com paixão é permitir que o “Eros” tome conta da sua mente e do seu corpo. É deixar que, movida pela paixão, que nos faz sentir e agir “involuntariamente”, ou melhor, agir e sentir de forma diferente das normas estabelecidas como “normais”, para que você se reconheça intensamente com o que é diferente, sem choque, sem culpa.

Acredito que a sexualidade é comparável ao um oceano, imenso e cheio de mistérios que precisa ser desvendada. A sexualidade deve ser observada em sua densidade, e através de pequenos sinais de olhares, gestos e palavras subjetivas. E devemos lembrar que antes de dizermos que respeitamos o “outro”, não só exterior, mas o “outro em nós” devemos refletir se realmente o aceitamos, por que não existe respeito onde não há aceitação.

Pensar, falar e enxergar a sexualidade exige uma entrega à intensidade que só pode ser comparada a uma paixão, ou melhor, a o Eros. “Ao próprio Deus do Amor!”.

Nota:

1 - A palavra “identidade” encontra-se nesse contexto, como algo pensado e vivido pelo sujeito, que não só é influenciado pela conjuntura do meio em que vive, como também pela paixão de suas identificações com o diferente, com o plural.

Referências:

LOURO, Guacira Lopes (org.). O Corpo Educado – Pedagogia da Sexualidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

* Acadêmica de História UEPB / safira_cg@yahoo.com.br

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