terça-feira, 29 de maio de 2007

Lima Barreto e as contradições de seu tempo: o olhar do excluído sobre a modernidade brasileira


Joachin de Melo Azevedo*

Afonso Henriques de Lima Barreto destaca-se enquanto escritor, primeiramente, pela própria trajetória pessoal e literária ambas repletas de uma revolta denunciativa frente a uma sociedade racista e hierarquizada em torno de valores excludentes, como, basicamente, podemos caracterizar as posturas dos segmentos dominantes da sociedade brasileira no início do século XX.

O conjunto de obras de Lima Barreto é composto por vários escritos de forte cunho mimético. Esses escritos, enquadrados no que o próprio autor classificava como literatura militante, são uma contundente crítica aos desfechos da implantação da República no Brasil, pondo em suspeita os princípios e alicerces em que se sustentaram as justificativas desse projeto. Para Lima Barreto, segundo Nicolau Sevcenko, a República na qual “(...) as relações sociais passam a ser mediadas em condições de quase exclusividade pelos padrões econômicos e mercantis, compatíveis com a nova ordem da sociedade” (SEVCENKO. 2003, p. 55) não conseguiu concretizar os ideais iluministas de igualdade, liberdade e igualdade, sendo, pelo contrário, palco para a consagração do “(...) arrivismo agressivo sob o pretexto da democracia e o triunfo da corrupção destemperada em nome da igualdade de oportunidades” (Idem, p. 38).

Já no fim do século XIX, no Brasil, germinavam as primeiras características do que viriam a ser as crenças ideológicas do século XX no país, levando em conta que esse era um período de transição sócio-cultural que, enquanto tal, não poderia deixar de ser percebida nas produções lingüísticas da época.

As transformações vivenciadas no fim do século XIX, intrisecadamente vinculadas à noção de construção de uma cosmovisão nacionalista que viria a prezar por uma maior brasilianidade no país, deveriam manifestarem-se tanto na língua, quanto na literatura e nas instituições. Como cita José M. de Carvalho vivenciava-se “um abrir de janelas, por onde circulavam mais livremente idéias que se continham no recatado mundo imperial” (CARVALHO. 1987, p. 24).

No contexto mundial, posteriormente, no inicio do século XX, como afirma o historiador E. Hobsbawm, na literatura tanto se veiculavam opiniões profundamente conservadoras quanto existia uma vanguarda não européia comprometida com as representações do sofrimento que era acometido as minorias, quase sempre representações moldadas por uma forte retórica socialista. Para essa vanguarda cabia(...) erguer o véu e apresentar a realidade contemporânea de seus povos.” (HOBSBAWN. 1995, p. 190) .

O sentimento de exclusão refletirá em toda a obra do escritor Lima Barreto, tanto que o ideal barretiano que transparece nas estruturações típicas de sua literatura consiste na representação e contestação da realidade, a partir de freqüentes notações do cotidiano que visam caricaturar os valores vigentes de sua época e fazer oposição aos padrões estéticos dominantes e oficiais, questionando assim, toda uma hierarquia de poder entre as relações sociais de seu tempo.

Para Julia M. Polinésio (1994, p. 68), o escritor foi pioneiro ao se posicionar, no Brasil, de modo sistêmico e critico no tocante às relações de poder encontradas na sociedade republicana e trazer a tona, através de seu discurso literário, a voz daqueles que tal qual a do próprio, eram silenciadas ou destoavam em face dos mecanismos de controle social da cultura dominante.

Esse tipo de postura, tanto individual quanto estética, como foi analisada por Roland Barthes, remete a interação entre o universo dos “factos políticos e sociais” com o âmbito “da consciência das Letras”. Dessa interação, é produzido “um novo tipo de escritor, situado a meio caminho entre o militante e o escritor” (BARTHES. 2000, p. 32).

Dentro desse prisma, sobre a questão da marginalidade em Lima, Alfredo Bosi a considera que não encerra apenas uma dimensão existencial, mas também uma dimensão sócio-politica que influencia toda estilística do autor e que dota o texto artístico de uma maior verossimilhança com a realidade que pretende representar:

O marginal de Lima Barreto não é o mesmo dos naturalistas, sempre a beira do patológico; é o intelectual mulato, humilhado e ofendido e do seu ressentimento impotente nasce à potência da sua crítica social e política. (BOSI. 2002, p. 258)

Ao transferir para o universo da ficção, fatos e pessoas comuns do dia-a-dia, através de uma linguagem acessível, direta e inovadora, o autor dessacraliza uma série de convenções e instituições sociais que atendem os interesses de uma ordem dominante e com isso espera atingir os objetivos os quais acha que deveriam ser vislumbrados na literatura.

A época em que Lima Barreto atuou foi conturbada. O autor que se recordava de ter assistido emocionado a abolição da escravidão, aos sete anos de idade, em 1888, testemunhando as festas promovidas pelo advento, também recordava da demissão de seu pai, no ano seguinte, que era protegido do monarquista visconde de Ouro Preto, da Tipografia Nacional, pelo novo governo republicano (Cf. CARVALHO. Op. cit, p. 30).

O Rio de Janeiro, palco da proclamação da nova ordem realizada através de um golpe militar, durante uma década, foi o lugar em que os destinos nacionais se decidiram. Dentro dessa ótica, a região influenciou comportamentos e decisões no âmbito nacional, tornando-se centro do poder federal. De modo dialético, como veremos, o Rio também sofria a influencia externa cultural, política e econômica da Europa.

Na Europa, o ritmo alucinante em que se configuravam as mudanças evocadas com a consolidação do capitalismo e do liberalismo é associado ao período conhecido como a Bélle Epoque, terminologia representativa da modernidade, percebida em diversos setores da atividade humana através de invenções, do desenvolvimento cientifico e tecnológico, das luta sociais, consolidação do capitalismo industrial, etc.

Nessa época, a difusão da idéia de progresso associado à ciência, o automóvel, o telegrafo, o telefone, a lâmpada elétrica, o cinema e o avião são símbolos de uma época marcada por certo “encantamento” que foi como coloca Nicolau Sevcenko: “(...) os novos recursos técnicos, por suas características mesmo, desorientam, intimidam, perturbam, confundem, distorcem, alucinam” (Cf. SEVCENKO. 1998, p. 516) e, como conseqüência, no Brasil, as elites tentavam viver a parisiense, em um país dos trópicos.

É importante salientar que essas transformações no âmbito do sistema produtivo e econômico não se limitaram apenas a essas esferas. De modo geral, essas modificações influenciaram como um todo as relações sociais e, conforme podemos notar, tanto foram motivo de euforia e otimismo, quanto de desconfiança e pessimismo. As inflexões causadas pela modernidade, gerando rompimentos e ressignificações, enquanto processo histórico tomaram dimensões políticas, econômicas, artísticas e culturais.

Tecidas essas considerações sobre o escritor Lima Barreto, o teor do seu conjunto de obras e sua época, podemos afirmar que em face dos estudos mais recentes sobre o processo de modernização do Brasil, que o olhar do excluído desse processo serve como base para uma reflexão histórica que vise por representações, ao encararmos a literatura como artefato cultural produzida e contextualizado em uma época, das contradições da modernidade brasileira.

Referências

BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 8a. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.

BARTHES, Roland. Escritas políticas. In: _____. O grau zero da escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BARRETO, Afonso Henriques de Lima. Melhores crônicas. São Paulo: Global, 2005.

______. O destino da literatura. In: Revista Souza Cruz. n. 58. p. 58-9, outubro, 1921

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

POLINÉSIO, Julia Marchetti. Inovações ideológicas: intenção de denúncia e representação de uma nova realidade social. In: ______. O conto e as classes subalternas. São Paulo: Annablume, 1994.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

______. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: NOVAIS, Fernando A. (org.). História da vida privada no Brasil। Vol. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (pp. 514-619)


*Acadêmico de História UEPB / joaquimmelo@msn.com

quarta-feira, 23 de maio de 2007

O surgimento da nova história.

*Marcilo Ramos


A Nouvelle Histoire foi criada a partir da necessidade de se pensar e de se trabalhar uma história não mais fundamentada em grandes nomes políticos e sim nos vários fatores que estão nas entrelinhas. Para isso foi necessário que se criasse uma revista cientifica sobre os assuntos e as vertentes históricas a serem trabalhadas. Revista essa que se intitula annales d’historie economique et sociale. Essa revista pode ser considerada o primeiro passo pra poder se pensar a “nova história”. Essa nova história teve seu surgimento a partir de debates entre várias vertentes das ciências sociais, tais como os próprios historiadores, sociólogos, geógrafos e filósofos no século XX. Antes da história interagir com as ciências sócias a história era elaborada só à partir de “grandes” fatos feitos por algum líder político, com o surgimento da nova história essa centralização acaba e se ver a história de várias ópticas diferentes e até de visões totalmente antagônicas, não só se ver a história dos vencedores, por exemplo, com o surgimento da nova história pode-se interpretar a história pelo ponto de vista do excluído socialmente, do menos favorecido economicamente, do não alfabetizado mas com vasta experiência de vida, do não religioso, enfim, pode-se trabalhar com o ponto de vista do “topo da pirâmide”, como também se pode trabalhar com a com o ponto de vista da “base da pirâmide”.

Concretizada na revista “Analise da história, economia e sociedade”, a história toma outra vertente e os historiadores começam a criticarem o antigo método que seria totalmente político, sendo usado no intuito de só ressaltar os “grandes feitos realizados pelos grandes”, esse método não questionava absolutamente nada, só datava o acontecimento ocorrido e seu líder que o fez. A criação da revista veio se fundamentar no final da década de 20 do século XX, mais precisamente no ano de 1929 na renomada universidade de Estrasburgo por Lucien Febvre e Marc Bloch.

Com o aparecimento da nova história a história até então tradicional some e se uni as ciências sociais, principalmente com à sociologia, sendo assim possível com esses novos instrumentos de pesquisa, chegar a uma resposta ou vária srespostas sobre o objeto ao que se pesquisa e na maioria das vezes chegando a inúmeros questionamentos, coisa que antes não existia. Com a nova história não se estuda mais um sujeito em particular, nem muito menos o que esses indivíduo fez, agora se estuda quem ele foi ou o que ele fez a partir de várias analises: psicológicas, econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas, as estatísticas, o imaginário das pessoas, as histórias orais, os documentos, etc. Tudo isso interpretado de várias formas. Sendo assim a nova história abandona o pensamento de que nenhum fato ocorrido poderia ser repetido, rompendo assim com a história linear e criando uma história cíclica.

Levando em consideração a época em que foi elaborada a nova história e levando em conta a localização geográfica da universidade de Estrasburgo (onde surgiu a escola dos Annales) oscilava em momentos da história em pertencer à Alemanha e em outro momento pertencer à França, hora a protestantes, hora a católicos, hora a amigos, hora a inimigos. O fato dessa dicotomia em determinadas épocas entre os pensadores da universidade e até mesmo da nacionalidade de quem nascia na região da “Alsace-Loraine” era enorme, pois a população em sua maioria era de origem germânica e quase não se falava francês, a origem da população em sua maioria era de alemães, mas no pós-guerra o domínio da região passa a ser francês. Este confronto étnico entre cidadãos germânicos e francos era forte.

Weber defendia a idéia de separação entre cientistas e população, para ele, como essa pequena e singular região vivia em constante incostância política não seria sensato para os pesquisadores assumirem uma posição política, cabendo esse feito ao restante da população da região, os cientistas ficariam neutros diante desse paradoxo। Segundo Weber, os cientistas agiriam de forma sensata se ficassem neutros, foi exatamente nessa concepção de Weber que Bloch e Febvre se inspiraram para a fundamentação da ideologia dos Annales.

Febvre, assim como Durkheim, Bloch entre outros, queriam colocar a história no “presente”, estavam cansados daquela história enfadonha que a única coisa que retratava era o fato isolado e de um só ponto de vista, fato esse que o chefe político de uma nação o realizara, direto ou indiretamente, mas sempre esse fato era deturpado e virava acontecimento épico, quando na verdade se duvida até que se tenha existido metade dessas acontecimentos tão grandiosos, tais tipo: guerras sangrentas, violentas batalhas, etc. Os criadores da nova história estavam dispostos a questionar, a problematizar, a indagarem, a responderem a esses e a outros inúmeros fatos históricos, ambos sentiam a necessidade de extinguir a história “arcaica” onde só se narrava fatos “importantes”, datas e nome da autoridade política vigente.

Os historiadores da Escola dos Annales conseguiram dar uma nova roupagem na maneira de se pensar a história, de se trabalhar a história e seus acontecimentos.

Referências

REIS, José Carlos. Escola dos Annales - a inovação em história। São Paulo: Paz e Terra, 2000.

*Acadêmico de História - UEPB / marcilo_ramos@hotmail.com